terça-feira, 11 de setembro de 2007

A mentalidade purista de culto à roda-fixa


Por Scott Larkin

Texto original em http://www.oldskooltrack.com/files/cult.mentality.frame.html

Tradução e adaptação de Gabriel Nogueira

Decidir pedalar uma bicicleta com roda-fixa parece contra-intuitivo, pois primeiro você desiste de umas tantas marchas, pra ficar apenas com uma; você renuncia a possibilidade de andar na banguela para sempre; você tem de “se explicar” aos ciclistas acostumados a suas bicicletas com dezenas de marchas, da mesma forma que um apreciador de discos de vinil se explica aos entusiastas da música digital.

Para um leigo, pedalar com roda-fixa soa como um caminho duro e tortuoso para o céu devido ao fato de ser algo que tem de ser experimentado para ser apreciado. O mais interessante é que os que experimentam quase nunca voltam atrás...

Em primeiro lugar, ninguém possui tamanha obsessão com peso do que os ciclistas. Quanto menos peso, mais rápido e com menos esforço se pedala. Eu mesmo já vi alguns compararem diferentes tipos de fita de guidão na tentativa de se livrar de alguns gramas!

Uma ótima maneira de diminuir não só gramas, mas quilos é simplesmente se livrando de tudo o que não for absolutamente necessário. Se livre do freio traseiro (e para algumas almas rebeldes, se livre do dianteiro também), jogue fora todas as coroas e fique com apenas uma, trocadores e tensionadores de corrente viram história, encurte a corrente, re-centre a roda traseira com apenas um pinhão preso direto ao cubo, alinhe a corrente e depois levante sua bicicleta com as mãos e perceba o quão mais leve ela esta agora. Lógico que uma bicicleta de titânio vai ser mais leve, mas a maneira mais fácil e econômica de diminuir o peso é simplesmente se livrando de algumas peças.

Existem mil coisas que podem dar errado em uma bicicleta com várias marchas, além disso, ajustes são freqüentemente necessários, peças precisam ser trocadas e sempre se escuta o barulho característico de todo este conjunto em funcionamento, o que significa perda de potência dissipada na forma de atrito entre peças e som.

As bicicletas de roda-fixa precisam somente de um pouco de óleo na corrente de vez em quando e quando algo dá errado (o que é bem raro) identificar o problema é instantâneo pelo fato de existirem poucas peças envolvidas.

Como o nome já diz, a roda traseira e o pé-de-vela são fixos, o que significa não poder parar de pedalar. A bicicleta é fixa também no que diz respeito a ter apenas uma marcha e não poder trocá-la. Enquanto a bicicleta esta em movimento, os pedais estão se movendo, o que dá ao ciclista um senso intuitivo da velocidade em que a bicicleta esta se movendo devido ao fato dos pedais estarem girando em uma velocidade sempre proporcional à velocidade das rodas.

Em uma bicicleta com roda-livre, o ciclista pode parar de pedalar e quando voltar a fazê-lo não terá certeza alguma se esta na marcha correta, o que leva a um pequeno jogo de tentativa e erro até encontrar a marcha correta. Óbvio que um ciclista experiente encontra a marcha correta sem muito esforço, mas o mesmo nunca terá a conexão direta que a roda-fixa oferece.

Para os que pedalam com o objetivo de treinar e se exercitar, existe ainda outra vantagem: é muito mais fácil e rápido fazer exercício e entrar em forma em uma roda-fixa do que em uma bicicleta “normal”. Simples, você nunca para de pedalar e a sensação é de se ter um técnico no seu cangote cada vez que você sai pra pedalar. Caso se pense em parar de pedalar para tomar um fôlego, um imediato e as vezes súbito “chicote” será sentido (o que acontece apenas com os ciclistas não íntimos da roda-fixa) como se fosse o “técnico” lembrando que pausas na pedalada não são permitidas.

Esta sensação só existe no começo e uma vez acostumado você percebe que o “sargento” nos seus calcanhares é na verdade um técnico bonzinho que esta te ensinando a pedalar corretamente.

Ciclistas que pedalam com roda-fixa não precisam se preocupar com o tanto que param de pedalar, pois esta possibilidade não é uma opção.

Pelo fato de seus pés poderem ser “chicoteados” para fora dos pedais, o uso de pedais com pedaleiras ou sapatilhas “clipless” é obrigatório.

Ao trocar de marcha existe sempre um momento, as vezes imperceptível, em que se pedala com menos pressão para que a próxima marcha engate, o que gera perda de potência. Assim como várias outras coisas, isso não ocorre com a roda-fixa, pois você tem apenas uma marcha e a corrente esta sempre na mesma coroa e pinhão, propiciando uma pedalada contínua e sem perda de potência.

Em geral não levamos em consideração a energia mental e física desperdiçada em uma bicicleta com muitas marchas e é só ao pensar as etapas que envolve a troca das mesmas que percebemos o desperdício. Imagine-se ao se aproximar de uma subida moderada; primeiro se avalia o terreno, se pensa na marcha que deve ser usada, aciona-se a alavanca de câmbio assegurando-se de que a marcha foi trocada suavemente antes de atingir a base da mesma. Começa a escalada e você avalia se esta na marcha correta, caso não esteja, na busca de uma marcha mais adequada perde um pouco mais de velocidade, atinge o topo da subida e depois faz o caminho inverso para se adequar à decida. É óbvio que muitos destes passos se tornam apenas reflexos automáticos em um ciclista experiente que, no entanto, perde considerável potência a cada vez que repete tal ação.

Agora, observe a mesma situação em uma bicicleta com roda-fixa; você se aproxima de uma subida; você pedala e...pronto! Inevitavelmente você força suas pernas para que se tornem mais fortes, pois você não tem opção de cambiar e isso fará com que as subidas sejam cada vez mais divertidas a medida que seu condicionamento físico melhora.

Sem embargo, a vantagem mais desejada ao se pedalar com roda-fixa é a sensação íntima de se fazer parte da bicicleta como se o conjunto homem+máquina fosse apenas um só, isto é, como se a bicicleta fosse uma extensão do próprio corpo. Com a roda-fixa você pode sentir cada nuance de velocidade, equilíbrio, aceleração e desaceleração, tendo a sensação mística de conexão que muitos ciclistas de roda-fixa se referem e é isso que nos leva ao aspecto da mentalidade de culto. Sempre que vemos outro ciclista com aquela inconfundível corrente esticada, se sabe imediatamente que ele ou ela compreende.

Esta sensação é de certa forma similar ao que acontece, por exemplo, quando dois hare krishnas se cruzam pela rua. Existe uma ligação e conexão não verbal imediata.

Para os leigos, uma bicicleta com roda-fixa e uma bicicleta “normal” são virtualmente iguais, o que cria por si uma conexão ainda mais “subcutânea” entre os que compreendem a roda-fixa. Não é necessário para quem pedala com roda-fixa ter um rabinho e togas cor de pêssego para que se reconheçam. A única coisa necessária é aquela marcha única e para ser franco, nunca aconteceu de alguém tentar me converter à roda-fixa na rodoviária o que faz a analogia ter suas falhas. Casos à parte, a mentalidade de culto permanece.

Outro aspecto que não pode ser deixado de lado na roda-fixa é a capacidade de frear a bicicleta sem a ajuda de freios. Você conta com a sua própria força para acelerar e diminuir a velocidade; para isso basta aplicar força nos pedais no sentido inverso ao da pedalada, pois o pé-de-vela esta conectado diretamente à roda traseira (e é por isso que alguns ciclistas pedalam sem freio, dando às suas pernas total controle sobre a aceleração e frenagem).

As bicicletas de roda-fixa possuem primas nas bicicletas de uma marcha, que ao invés do pinhão preso diretamente ao cubo contam com uma roda-livre ou catraca. Elas possuem as mesmas vantagens mecânicas e de peso, mas não contam com a conexão contínua ao pedalar, não podem ser freadas com as pernas e obviamente a sensação de conexão não existe.

Ao caminhar pelo centro da cidade de São Francisco (costa oeste dos Estados Unidos da América) há alguns anos atrás, eu me lembro de ver um entregador pedalando em meio ao tráfego lento, ziguezagueando de um lado pro outro como se fosse uma agulha costurando todos os carros juntos. Esta lembrança jamais se apaga da minha memória e creio que é pelo fato dele, de forma graciosa, seguir seu caminho passando pelos carros e sem querer, acabar tirando o maior sarro dos motoristas sentados no congestionamento.

Eu tenho certeza que o cara estava pedalando uma roda-fixa, não apenas por elas serem em geral usadas por entregadores, mas também por me surpreender ao notar que ele pedalava tanto ao aumentar, quanto ao diminuir a velocidade. Os ajustes que ele fazia em sua velocidade eram como os ajustes que um pássaro faz ao voar.

Se um dia minha sobrinha me perguntar o que significa a palavra “graça” (no sentido de belo), eu a levaria até o centro e esperaria um entregador pedalando uma fixa passar.

No fim percebo que romantizei um pouco demais sobre a roda-fixa. Não posso esquecer de mencionar que elas não são o tipo indicado de bicicletas para todos os tipos de pedaladas, pois caso o fossem veríamos até hoje os ciclistas fazendo o Tour de France com fixas, não é?


Links interessantes:

http://www.digave.com/videos/

- Vídeos feitos por Lucas Brunelle utilizando câmeras presas à seu capacete. Clique no link “About” para ver o equipamento utilizado.

http://www.trackbike.com/cmwc/2k/index.html

- Site com belas fotos de encontros e corridas de beco.

http://www.kenkifer.com/bikepages/health/risks.htm

- Pedalar é perigoso? Logo mais um resumo dos fatos e crendices populares que causam acidentes quando bicicletas estão no trânsito.

5 comentários:

Vitório disse...

Gabriel,
Reproduzi seu texto no fórum www.mountainbikebh.com.br/forum

E comprei uma fixa.

Gabriel Nogueira disse...

Ei Vitohrio!

Parabehns pela compra! Li rapidamente seu relato no forum...Se puder mandar uma foto da mahquina e um relato pro meu blogue, agradeco.
Os textos aqui do blog sao de °domihnio puhblico°...A idehia eh incentivar o uso das fixas no Brasil e em Portugal e ajudar os amigos com informacoes e tal.
Legal que cada vez mais as pessoas percebem que aquele monte de marchas e badulaques nao sao necessahrios para se pedalar no transito...Da um gosto ainda melhor pedalar a "200 carros por minuto" tendo "soh uma bicicletinha de uma marcha".
Um carro a menos!

Anônimo disse...

Olá, tenho vindo ao seu blog constantemente. Simplesmente a-do-ro!
Ainda não tenho uma fixa, mas espero ter a minha em breve, até pq, assumo que não sei usar marchas. Acabava se tornando uma tortura e eu não aguentava mais o trec trec e deixava do jeito que estava pra não me estressar.
Voltei a pedalar por ter começado um curso muito distante de casa e a grana tava curta pra ficar pagando passagem. Simplesmente o amor que eu tinha na adolescência pelas bikes, voltou com muita intensidade.
Estou pensando em converter uma minha aqui, mas ainda estou insegura.
Você acredita, que muitas bicicletarias aqui no RJ ainda não sabem do que se trata e explicar sobre a Fixed Gear pra quem trabalha lá se torna uma longa história. E eu, sendo mulher, não entendo de mecânica de bicicleta.
Acaba dando um medo do cara fazer bobagem...

Abraços cariocas,
Joice da Silva/RJ

Gabriel Nogueira disse...

Oi Joice. Legal que você acompanha e gosta do blogue. Bacana também que você usa a bici como meio de transporte e que está pensando em montar uma fixa.
Realmente, é fundamental que o mecânico saiba o que está fazendo na hora de montar uma fixa, mas melhor ainda é você ser seu próprio mecânico! Montar uma fixa, dada sua simplicidade, é uma ótima maneira de aprender os rudimentos da mecânica de bicicletas...Ler bastante e buscar informações e por a mão na massa!!! A única loja que conheço do Rio que tem material de pista é a http://www.renatoestrella.com.br/inicio.asp . Eu nunca estive pessoalmente, mas acredito que eles poderão te auxiliar na conversão da sua bici...Hum, e tem o Conde (pontoconde arroba yahoo.com.br), que tem umas bicis convertidas...Boa sorte na busca...

Anônimo disse...

Oi Vitorio, eu já tinha conhecimento do Conde, lendo sobre a roda-fixa no Orkut. A comunidade é dele, se não me engano. Depois, vi que ele tbm postou um comentário aqui no sue blog.
Ainda não entrei em contato com ele e vou checar lá na comunidade (não sou membro ainda), se alguma alma solidária, que more aqui pelas redondezas, me deixaria dar umas voltinhas, pra eu ver o que acho e se me adapto bem.
Depois, te falo como foi.

Abraços cariocas,
Joice